Quem quer ser um milionário?


A riqueza de 10 pessoas é mais de 120 vezes maior do que a riqueza que o país com pior índice de desenvolvimento humano consegue produzir em um árduo ano de trabalho. O contraste que esse dado revela já não causa tanta indignação em uma sociedade que acha natural as diferenças produzidas pelo capitalismo, e que comemora os grandes feitos financeiros lamentando a inevitável condição miserável de alguns pobres coitados que ainda não “aprenderam” como ser bem sucedidos nas regras da selva econômica.



Pois bem, não se conformando com a naturalidade dessas diferenças e acreditando na capacidade da humanidade de ser solidária consigo mesma, os socialistas propõem a divisão igualitária da riqueza socialmente produzida. Socialistas ou não, os trabalhadores que não conseguem acumular riqueza, dado seus baixos salários e alto custo de vida, também pedem para que sejam melhor distribuídos os ganhos com a produção. Como geralmente os ricos não estão muito dispostos a abrir mão da sua riqueza, esses pedidos são feitos não em conversas do chá da tarde no clube de campo, mas em greves e protestos. 

Infortunadamente alguns não-ricos acabam se cansando das negociações ou até mesmo perdem a crença na solidariedade humana e partem para iniciativas individuais mais violentas de distribuição direta da riqueza, como assaltos e seqüestros.

Talvez os ricos não queiram dividir sua riqueza por terem medo de que o resto da humanidade, em um ato de crueldade e vingança, os obrigue a viver apenas com um salário mínimo. Talvez os pobres tenham que ser mais compreensivos, pois pode ser que os ricos tenham que se acostumar com a idéia aos poucos. Será que eles teriam menos medo de distribuir a riqueza se percebessem que para isso não precisam deixar de ser ricos? Como reagiriam a pergunta: Quem quer ser um milionário?

A pergunta é de fácil resposta para bilhões de seres humanos espalhados pelo globo, mas não é tão simples para os raros bilionários entre nós. Se o plano der certo, em uma bela tarde no clube de campo, o tilintar das xícaras de chá brindarão uma nova lei geral para a humanidade: “Fica proibida a acumulação de fortunas bilionárias. Cada centavo que ultrapasse a quantia de US$ 999.999.999,99 deve ser imediatamente revertida para quem ainda não possui tal quantia, na ordem do mais pobre para o mais rico.”


Isso pode soar menos ofensivo para os ricos. Para se ter uma idéia das conseqüências desta nova proposta, analisemos o que aconteceria com os extremos da questão. Os dez indivíduos mais ricos do planeta acumularam a bagatela de 426 bilhões de dólares em patrimônio pessoal. Coincidentemente nenhum desses abonados indivíduos vive no Zimbábue. Esse país, que não teve a sorte de nascer em berço de ouro, produz uma riqueza equivalente a 3,5 bilhões de dólares por ano. Se a regra fosse aplicada apenas a esses dez senhores (nenhuma mulher pertence ao grupo), cada um dos 13 milhões de cidadãos do país com as piores condições para se viver poderia contar com 32 mil dólares para tentar estruturar melhor a vida daqui para frente. Se entendermos que melhor do que o distribuir o dinheiro para a população seria realizar investimentos em programas sociais, teríamos um impacto US$ 426 bilhões aplicados de uma só vez em um território acostumado a ver US$ 3,5 bilhões ao longo de um ano todo. A mistura das duas soluções também seria fabulosa.

Certamente cada um dos dez senhores mais ricos do mundo conseguiria levar uma vida digna e confortável com a parca quantia de 999 milhões de dólares tendo apenas que suportar o trauma psicológico da perda do título de bilionário para se acostumar as ser tratado como um reles milionário. Para iniciar a prática de desapego material o homem mais rico do mundo, o investidor americano Warren Buffett teria que abrir mão de 61 bilhões de dólares. Já o menos rico dos top ten, o varejista alemão Karl Albrecht, teria que se desfazer apenas de 26 bilhões de dólares e um centavo dos seus 27 bilhões acumulados.

Parece claro que existência de poucos homens muito ricos implica necessariamente na condição de que muitos mais precisem permanecer pobres. Ainda assim, se uma tragédia provocada pelos próprios seres humanos não é suficiente para convencer os abastados a assumirem outra postura perante humanidade, tentemos uma comparação com tragédias de fato naturais.


Recentemente um terremoto devastou o Haiti que já era o vigésimo quinto pior país do mundo para se viver. Os Estados-membros das Nações Unidas e parceiros internacionais prometeram US$ 5,3 bilhões para os primeiros 18 meses da reconstrução deste país, mas entregaram até hoje apenas US$ 824 milhões. Os melhores números falam em um valor total prometido para os próximos três anos de US$ 9,9 bilhões, vindos de 59 países e organizações internacionais. Se levarmos em consideração as melhores previsões, o mundo estará oferecendo ao Haiti US$ 3,3 bilhões por ano por um período menor do que o de um mandato presidencial. O Haiti antes da tragédia, com suas forças produtivas a pleno vapor, tinha um Produto Interno Bruto anual de US$ 6,4 bilhões e ainda assim possuía o vigésimo quinto pior IDH do mundo. A comunidade internacional, mesmo mobilizando a riqueza produzida por pobres e ricos (dinheiro público) não foi capaz de oferecer para a reconstrução de um país devastado e sem qualquer capacidade produtiva mais da metade do que ele produzia em plenas condições.

Uma vez que os dez homens mais ricos do mundo já estão comprometidos com o Zimbábue, apelemos para outros dez que com apenas um click seriam capazes de aportar uma quantia considerável. Apelemos para as dez pessoas que mais enriqueceram com negócios da internet, afinal elas já conseguiram juntar 82 bilhões de dólares debaixo do colchão. Se pessoas como Larry Page da Google e Mark Zuckerberg do Facebook aceitassem se tornar milionários o Haiti poderia receber a cada um dos três anos de reconstrução uma quantia 4 vezes maior do que seu PIB original, uma ajuda quase 8 vezes maior do que o mobilizado por toda a comunidade internacional.

No Brasil a boa vontade de dez bilionários em se tornar milionários somaria 66 bilhões de dólares ao orçamento público podendo tornar os investimentos em saúde pública 2,5 vezes maior em 2011.

Se as trinta pessoas aqui citadas, que sequer chegam a lotar um ônibus, aceitassem viver apenas como milionários, muito já se poderia fazer com o meio trilhão de dólares redistribuídos. Imagine o que não aconteceria ao mundo se todos os bilionários se tornassem milionários. Ora, se no capitalismo não nos é dada a oportunidade de perguntar aos bilionários se aceitam se tornar milionários, ou se perguntados, estes são incapazes de dizer: “Sim”. Então desistamos de tentar mudar apenas uma regra e mudemos todas.

(...) 

Pedro Ekman  

(retirado do blog  Entre sem Bater)


Por Lorrane Firmino

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